?? Tenho uma lista de países que já visitei. Há anos a Bolívia estava lá, mas meio sem convicção. Estive no país por um dia, na fronteira com Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Visitei o Pantanal e voltei. O lado de lá não era nada diferente do lado de cá. Mas, como oficialmente eu havia entrado na Bolívia, pisado em solo estrangeiro e respirado ar local, o país foi para a tal lista. Isso foi no século passado.
Um belo dia, já no século 21, alguém me fala a respeito do Gustu, um restaurante em La Paz fundado por gente do Noma em Copenhague, ganhador de vários prêmios de melhor do mundo. Dinamarqueses na Bolívia? Fiquei curioso. Meses depois o Gustu entra para a lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina. Meu estômago começou a falar alto.
Sabe quando você descobre uma coisa e, de repente, em todos os lugares por onde você passa você vê notícias e informações a respeito daquela coisa? Tipo Google e Facebook. Foi assim com La Paz. Acho que a cookie do Gustu instalada nas profundezas do meu hard-drive chamou uma reportagem da revista The New Yorker sobre Freddy Mamani e sua arquitetura hiper colorida, em La Paz. Pronto, já tinha outra razão para ir até lá. Com gastronomia e cultura já se faz uma viagem, né?
A viagem de São Paulo até La Paz é bem rápida. Em cerca de 4 horas a gente chega lá. O voo da Boliviana de Aviación passou por Cochabamba e pela janela fiz um tour do país. Estava curiosíssimo por pousar em El Alto, a cidade mais alta do mundo onde fica o aeroporto internacional de La Paz. Saí do avião e respirei fundo. Não veio muito ar. Ou melhor, veio ar, mas sem muito oxigênio, afinal estava a 4.100 metros de altitude.
A paisagem é lunar. Um altiplano que desemboca um buraco enorme. No horizonte, montanhas nevadas. Tudo muito seco e as casinhas de tijolos penduradas montanha acima. Do aeroporto até o hotel foi um zigue-zague por ribanceiras e aquela sensação mágica de chegar em um lugar completamente diferente de tudo, num fim de tarde iluminado e, ainda por cima, uma lua cheia de brinde.
Fiquei na região sul de La Paz, no Atix Design Hotel. Muito gostoso, perto do Gustu e da parada do teleférico verde. A cidade tem uma rede de teleféricos que leva as pessoas flutuando para todos os lados. A linha verde conecta com a linha amarela e em 30 minutos dá para chegar no mirador de El Alto.
O centro antigo é onde fica o palácio do governo, a catedral e vielas coloniais como a Calle Jaén. Comi no Popular Cocina Boliviana e no vegetariano Ali Pacha, outros dois restaurantes que valem a viagem (afinal não dá para comer todos os dias no Gustu). Tudo muito bom e regado a vinhos bolivianos surpreendentes. Passei pelo Mercado das Bruxas, vi os fetos de lhama e os remédios para melhorar o apetite sexual. Subir as ruas cansa bastante pela falta de oxigênio. Mas é legal dar uma corridinha e sentir um barato na cabeça (isso se o teu coração estiver 100%).
No quesito cultura, fui explorar El Alto para ver a arquitetura do Freddy Mamani, um descendente de indígenas que cria cholets, uma mistura de chalé para cholos (como são chamados os descendentes de quechuas e aymaras). As fachadas são bem criativas e consegui entrar em um que estava sendo decorado para um batizado. Imagine uma torta de chantilly e anilina com mais chantilly e anilina em cima. É isso.
O jantar no Gustu foi além das expectativas. Tudo o que é servido no restaurante é cultivado ou criado na Bolívia. O lugar em si é informal. Não tem a pompa de outros restaurantes da tal lista dos 50 melhores do mundo. Mas isso faz a experiência ser mais tranquila, na minha opinião. Voltaria até La Paz para comer no Gustu.
Ah, quase ia me esquecendo de contar que também fui ao Vale da Lua, que fica no subúrbio da cidade e é meio cilada para turistas, já que toda La Paz se parece a um Vale da Lua. Na volta para o Brasil o voo parou em Santa Cruz de la Sierra, que já é em pleno chaco, região plana, úmida e quente. A Bolívia é bastante variada e quero voltar. Da próxima vez vou até o Salar de Uyuni.