Nesses dias de quarentena uma coisa que tem me ajudado muito é a meditação. Medito de manhã cedo, antes de sair do quarto e de ligar o celular, e antes de ir dormir. Vinte minutos cada vez. Aumento 1 minuto a cada dois dias. Olhos fechados, costas eretas, sentado num colchonete ao lado da cama. Presto atenção na respiração, na temperatura do corpo, no barulho do coração. Dura 2 segundos. Às vezes uns 4. Depois, durante vários minutos a mente vai para longe, disparada entre notícias, desejos, planos, medos, angústias e trabalho. Volto a prestar atenção na respiração por alguns segundos… e assim vou. Com divagações e concentração consigo somar uns 20 segundos de meditação pura nos 20 minutos em que fico sentado.
Aprendi a meditar num retiro Vipassana, no Dhamma Sarana, no interior de São Paulo. Foram 10 dias de silêncio completo, sem livros, celular, caderno de notas, nada. Só eu, minha respiração e as várias sessões de meditação numa grande sala com outras 100 pessoas. Foi o melhor preparo para essa quarentena sem fim.
Tem gente que diz que enlouqueceria se ficasse 10 dias desconectado do mundo. Eu acho enlouquecedor ficar conectado em tempo integral. Lá no retiro, cada dia era um dia. Alguns passaram voando, afinal, tínhamos uma agenda cheia de meditações intercaladas com refeições e descanso. Mas teve outros, não tão frequentes, em que deu um certo desconforto/desespero de ver o tempo passar tão devagar, de ainda faltar tanto tempo para aquilo acabar.
Para fazer um retiro Vipassana a única coisa de que alguém precisa é vontade, e talvez um pouco de preparo físico para fortalecer o abdômen e os músculos das costas. O trato é simples, você se abstém de substâncias intoxicantes (inclusive cerveja/vinho), de comer carne, de matar (inclusive formigas e pernilongos), de mentir e de fazer sexo durante o curso. A separação entre homens e mulheres é total. Você também se compromete a seguir as regras do lugar, de fazer todas as meditações e de manter o silêncio sagrado. Não precisa pagar nada. A contribuição cada um dá o quanto pode depois que o curso acaba. Em troca você ganha uma cirurgia na mente, que vai lá no fundo para ajudar a cessar os ciclos de sofrimento. Soa simples, não?
As sessões de meditação duram cerca de uma hora. Eram várias por dia. Acordávamos com um gongo às 04h30 e íamos dormir às 21h30. Até o fim do terceiro dia praticamos Anapana, que serve para afiar/treinar a mente. O único objetivo durante as oito horas de olhos fechados é prestar atenção no ar que entra e sai das narinas. Coça? Dá calorzinho nos lábios? Entra pela narina esquerda? Sai pela direita? Marque todas as alternativas.
Certas horas achava tudo aquilo uma loucura. Tinha raiva da voz que dava as instruções, não entendia porque a professora ficava ali, parada, sem fazer nada. Só meditando. Mas aos poucos tudo vai se encaixando. Todas as noites tem uma palestra que explica cada passo dado e avisa o que é esperado de nós no dia seguinte. Durante a noite os sonhos são incríveis, vívidos e a gente não sabe se está acordado ou dormindo. É a mente trabalhando.
A cada dia de silêncio e de meditação no meio de uma floresta verdejante, as cores vão ficando mais intensas, os barulhos dos bichos tendo mais significados. A falta de fala aguça o ouvido para outros sons. Até a chuva parece conversar com você. A partir do quarto dia começam as sessões de uma hora de meditação Vipassana propriamente dita. Durante essa hora, não é permitido se mover. É uma hora estática, apenas com a respiração e a percepção de sensações pelo corpo. No primeiro dia em que fiquei assim, parecida que haviam enfiado uma espada nas minhas costelas.
Dói? Sim. Tem horas que dói bastante, mas passa. Tem desconforto? Sim, mas passa. Tem horas boas, sim, mas também passam. Tudo passa. Tudo é impermanente. Faz calor, depois faz frio. Você fica triste, depois feliz. Não é nada diferente do que a vida. E para mim o principal ensinamento é esse: tudo passa, tanto o que é bom quanto o que é ruim. Viver focado no presente é a única forma de não sofrer com o que é ruim ou com o medo de perder o que é bom. Desapego é outra palavra que se ouve bastante. Outra frase repetida infinitamente e que vira um mantra para a vida é “comece novamente”.
A comida é bem gostosa, vegetariana com queijo e leite. Nos primeiros dias eu comi bastante, com medo de passar fome, afinal a última refeição do dia é às 17h, duas frutas e um chá. Mas depois me acostumei e ia para o café da manhã feliz da vida. A cada dia o almoço trazia surpresas deliciosas como quibe de abóbora, batata gratinada, suflê, sobremesas feitas em casa. Os quartos também eram bons. Simples e funcionais, com uma cama e um beliche. O dormitório feminino, ouvi dizer, era maior, com vários beliches. Mas o lado feminino tem um riozinho, enquanto o masculino tem uma trilha pelo morro onde abracei árvores, andei chorando e pedi consolo à natureza.
Concordo que tal retiro não é para todos, mas recomendo para qualquer pessoa curiosa e que esteja em busca de uma ferramenta comprovada para atenuar as angústias da vida. Encontrar-se consigo mesmo pode parecer algo banal, mas é um dos encontros mais importantes que você pode ter na vida. Sou alguém mais completo e satisfeito com a minha depois de experimentar Vipassana, que dizem vir direto dos ensinamentos do Buda.
Para maiores informações, visite www.dhamma.org que tem a data de todos os cursos no mundo. No Brasil há dois grandes centros, um perto de São Paulo e outro perto do Rio. Há também centros menores em Brasília, Nordeste e Curitiba.
Mais:
Meus primeiros passos na meditação foram dois. Um amigo recomendou o aplicativo Headspace e assisti a uma palestra na Grande Escola que me colocou no grupo do Facebook “Já meditou?”.
Minha curiosidade pela Vipassana se aguçou depois de ler um texto da jornalista Eliane Brum, que fez o curso e descreve muito bem as sensações, as ansiedades e as dores. O texto faz parte do livro "O Olho da Rua", mas também pode ser acessado neste link da revista Época https://glo.bo/344zP1E
Se você digitar Meditação Vipassana no YouTube, vai ver vários depoimentos e palestras do TED sobre o assunto.
Depois que decidi fazer o curso, cada livro que lia alguém falava em Vipassana. Os que de que mais gostei foram "A Fortunte Teller told Me", de Tiziano Terzani e "21 Lições para o Século 21", de Yuval Harari.
Já fui ao Dhamma Sarana, em São Paulo, duas vezes. Uma como aluno e outra como servidor. Recomendo os dois, já que são aprendizados bem diferentes.
Uma dica para ir de leve é baixar o mp3 da mini-Anapana no site www.dhamma.org, que dura uns 12 minutos e é guiado pelo Goenka, quem reavivou a Vipassana dos mosteiros da Birmânia. É a voz do Goenka que guia todos os alunos nos dez dias do curso.