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🇧🇷 A noção de uma linha do tempo nunca fez muito sentido. As coisas, os eventos, a vida, não acontecem em ordem. Muito pelo contrário. Giramos pela galáxia, as estações do ano se repetem, temos altos e baixos, damos voltas, vamos e voltamos. Uma linha tem mão única, não nos dá possibilidade de retorno, de digressões no caminho. Penso nisso cada vez que volto a Dubai, onde morei por três anos, há quase vinte. Nesta paisagem futurista, revivo o passado para dar fôlego ao presente. O som do elevador, a luz do sol no deserto, as largas avenidas cada vez mais emaranhadas, tudo segue igual, mas ao mesmo tempo, diferente.
Comparo a vida a um mil-folhas de creme. O tempo se deposita em camadas que recheamos com experiências. Igual a Roma ou Istambul, que têm ruínas em cima de ruínas e a cidade de hoje no meio, gerando novas ruínas. Quando passo na frente do edifício onde morei, na Sheik Zayed Road, me vejo esperando a van da Emirates para ir trabalhar. Cruzei pelo lugar onde tive um acidente de carro e a costela ainda tem um pedacinho que trincou naquele dia.
Meus amigos que vivem aqui são ligações diretas entre o hoje e o ontem. Nós nos vemos uma vez por ano. Alguns, de cinco em cinco. Ontem almocei com um que não via há 16. Com todos eles a sensação é a mesma. Abre-se um portal onde não faz sentido uma linha de dias e meses amontoados. É como se tivéssemos vivido espirais de histórias, de dias, de primaveras, de felicidades e de tristezas entre um encontro e outro. Damos rasteira na linha já que conversamos como se o último encontro tivesse sido na semana passada. Degusto cada assunto como se fosse uma refeição estrelada, afinal, amigos formam constelações que me ajudam a navegar.
De Dubai, dei um pulo no Uzbequistão. A duas horas e meia de voo, mais duas horas de trem-bala, cheguei em Samarcanda, que foi o miolo do mundo no auge da Rota da Seda e das conquistas de Tamerlão. A azulíssima Praça do Registo (Registan) segue ali há séculos. Em frente, um teatro soviético, um outdoor de um banco turco e jovens gravando vídeos no TikTok. Vários tempos se misturam. Os países, assim como as pessoas, vivem várias vidas em uma única existência. Minha visita, minhas fotos, já fazem parte desse prato de espaguete de linhas do tempo retorcidas.
Um dos últimos invasores do Uzbequistão foi a Rússia. Na verdade, quem criou o país foram os burocratas soviéticos, para facilitar a administração do mastodonte que era a URSS. Antes existiam emirados islâmicos independentes como Khiva, Bukhara e Samarcanda, amalgamados pelos czares de São Petersburgo. Por ali, a Rússia só não conquistou os persas e os otomanos, mas foi tão longe quanto a Coreia e o Alasca. Impérios se expandem. Não precisa nem invadir um outro país. Os ditos países desenvolvidos largaram as colônias, mas seguem dominando economicamente, expandindo suas empresas e linhas de crédito. As empresas fazem o mesmo, afinal, o Facebook não comprou o Instagram e muitas outras? E a Danone, a Unilever, os Bancos?
Hoje paro por aqui. Não quero expandir mais. Estou obcecado com pensamentos sobre o botão vermelho da sala do Putin, aquele dos anos 1980, que talvez seja apenas mais uma app no iPhone dele. Será que seria a hora de assistir "O Dia Seguinte" novamente? Enquanto o Apocalipse não vem, recomendo "Inventando Anna" e "O Golpista do Tinder" no Netflix. Ainda não consegui ver "Mães Paralelas" do Almodóvar pois não está disponível no Netflix daqui. Quanto aos livros, a melhor recomendação é a assinatura da Amora Livros.
🇬🇧 The notion of timeline never made much sense. Things, events, life, don't happen in order. Quite the opposite. We spin around the galaxy, the seasons repeat themselves, we have ups and downs, we go around, we leave and we come back. A line is one-way, it does not give us the possibility of return or digressions on the way. I think about it every time I land in Dubai, where I lived for three years, almost twenty years ago. In this futuristic landscape, I relive the past to breathe life into the present. The sound of an elevator, the sunlight in the desert, the wide avenues increasingly tangled up, everything remains the same, but at the same time, different.
I compare life to a creamy mille-feuille. Time is deposited in layers that we fill with experiences. Just like Rome or Istanbul, with ruins on top of ruins and today's city in between, creating new ruins. When I pass in front of the building where I used to live, on Sheik Zayed Road, I see myself waiting for the Emirates van to go to work. I passed by the place where I had a car accident and the rib still has a little crack from that day. The past is still present in my mind.
My friends who live here are direct links between today and yesterday. We see each other once a year. Some, every five years. Yesterday I had lunch with one I hadn't seen for 16! With all of them the feeling is the same. A portal opens where a line of crammed days and months makes no sense. It is as if we had lived spirals of stories, days, springs, happiness and sadness between one encounter and another. I taste each encounter as if it were a star-studded meal, after all, friends form constellations that help me navigate.
From Dubai, I took a trip to Uzbekistan. After a two-and-a-half-hour flight, plus two hours by bullet train, I arrived in Samarkand, which was the center of the world at the height of the Silk Road and the conquests of Tamerlane. The very blue Registan has been there for centuries. In front of it there is a Soviet theater, on the side, a billboard of a Turkish bank and young people recording videos on TikTok. Several times are mixed. Countries, like people, live multiple lives in a single existence. My visit, my photos, are already part of this spaghetti plate of twisted timelines.
One of Uzbekistan's last invaders was Russia. In fact, it was the Soviet bureaucrats who created it to facilitate the administration of the USSR. Previously, there were independent Islamic emirates such as Khiva, Bukhara and Samarkand, amalgamated by the tsars of St. Petersburg. Russia didn't conquer the Persians and the Ottomans, but went as far as Korea and Alaska. Empires expand. You don't even need to invade another country. The so-called developed countries left their colonies, but continue to dominate them economically, expanding their companies and credit lines. Companies do the same, after all, didn't Facebook buy Instagram and many others? What about Danone, Unilever, the Banks?
Today I will stop here. I don't want to expand any further. I'm obsessed with thoughts about the red button in Putin's office, the one from the 1980s, which could be just another app on his iPhone. Could it be time to watch the movie "The Day After" again? Until the Apocalypse comes, I recommend "Inventing Anna" and "Tinder Swindler" on Netflix. I still haven't been able to see "Parallel Mothers" by Almodóvar because it is not available on Netflix here. As for books, I just read "Open Water", by Caleb Azumah Nelson, and "Samarkand", by Amin Maalouf. Both very good!
Excelente, como sempre!
Excelente Vicente!! Você escreve muito gostoso.
Mães paralelas é bem interessante.
👏👏👏👏