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🇧🇷 Boas vindas à newsletter #12. Uma dúzia. Número estranho, que existe por ser uma das formas mais simples do ser humano agrupar itens soltos em uma unidade maior. Olhe para a tua mão e veja que cada um dos quatro dedos é dividido em três partes (falanges). Com o dedão, você conta cada uma dessas partes até encher a mão. Pronto, formou-se a dúzia. Acho a dúzia muito mais charmosa do que a dezena, toda lógica e metódica, que deve ter sido invenção dos romanos, com seus X, V, C, L etc.
Vivo um duelo entre a dezena e a dúzia. Uma amiga astróloga afirma ser mais um embate entre capricórnio – signo de nascimento –, e aquário, meu ascendente. Carrego traços dos dois, muitas vezes incompatíveis. Na minha cabeça, gostaria de ser uma dúzia aquariana. Isso se traduziria numa casa cheia de livros empilhados, um gato no sofá, velas pingando parafina na mesa e jazz na rádio. Mas abro os olhos e vejo a dezena capricorniana, com minhas camisetas em degradê no armário, livros em ordem alfabética e uma compulsão para deixar a linha do tapete paralela à do sofá.
Gasto energia alinhando os enfeites e compilando planilhas financeiras – números são capricornianos – que na hora de ser criativo, solto e errático, estou cansado. Escutei uma autora canadense falar que “ou se tem a casa arrumada, ou se escreve”. Me nego o prazer de escrever refugiando-me na arrumação. Tentei juntar os dois. Fiz uma planilha somente com palavras interessantes para usar em textos, tipo beliz, ubiquação e pintarroxo. Também abri um arquivo com personagens que crio enquanto lavo a louça. Só que nem as palavras nem os personagens conversam entre si. Não consigo juntar tudo numa sopa interessante. Ficam mais como ingredientes na dispensa, sem data de vencimento.
Um dos personagens da planilha é meu primeiro namorado, um árabe manipulador que conheci na faculdade. Ele me chamou a atenção porque sempre estava pelos cantos com um livro na mão. Lia peças de teatro do romeno Ionesco. Achei instigante. Um dia nos encontramos no bar da vila e bebemos uma cerveja. Quando fui ao banheiro, ele me seguiu. Me deu um susto e um beijo na boca. No dia seguinte tentou suicidar-se. Quando voltou do hospital, assumi o papel de enfermeiro e psicólogo para conquistá-lo. Ele tirava sarro do meu sotaque, me tratava com condescendência, era um pau no cú. Eu estava tão apaixonado que nem notei.
O hospital mandou uma fatura de 300 francos. Ele pediu para eu falsificar o recibo. Num milagre de multiplicação, com um toque datilografado, criei 3000 francos, que ele pediu para o irmão. Com os 2700 francos do golpe, fomos passar um fim de semana em Lucerna. Ficamos num hotel 5 estrelas de frente para o lago porque ele não admitia menos. Ganhei uma camisa da Hermès. Essa camisa foi picotada em várias dúzias de pedaços meses depois, quando acordei e vi que tinha me metido com um golpista do Tinder dos anos 1990. Ao invés de um buraco financeiro, criou-se um buraco emocional.
Esse mesmo personagem fez eu trocar um estágio de um ano nos Estados Unidos por outro de seis meses, para provar que eu gostava dele.Também cobrava atenção, que eu dispensava em cartas diárias, viagens intercontinentais a cada 40 dias e um estado constante de depressão, afinal, não poderia estar feliz longe dele.
Olhando para trás, sinto-me um tolo. Só que não se vive em retrospecto. É o que falo para meu coração, que ficou mais escaldado do que gato em água fria, que chora em filmes românticos, do tipo "Combinação Perfeita". Quando vejo gente apaixonada, me dá uma certa inveja, como na série italiana "Fidelidade" e em "Toscana", tudo na Netflix. Na literatura então, há sinais claros que me avisam que posso abrir a porta novamente, como nos livros “Isso também vai passar”, da Milena Busquets – livro do mês de maio da Amora Livros –, a “A Boa Sorte”, da Rosa Montero e o “Le Jeune Homme”, da Annie Ernaux. Se bem que a Ernaux tem o caso com o cara 30 anos mais jovem para ter material para o livro.
Já que minha autoficção virou recomendações culturais, sigo com: a série “Anatomia de um Escândalo” e o podcast do Ezra Klein entrevistando a poeta Ada Limón (em inglês). Recomendaria mais três livros incríveis, mas são os próximos escolhidos da Amora Livros, por isso não posso revelar ainda (vão nas caixinhas de julho, agosto e setembro). Um que tem para vender na AmoraLoja é o "Esse não é o seu lar", de Natasha Brown, com a história de uma inglesa que se sente estrangeira em seu próprio país. E como junho está chegando, anote já na agenda que dia 2 tem temporada nova de “Borgen”, aquela série dinamarquesa incrível. Voltamos a nos “falar" em breve. Estarei a dezenas de milhares de quilômetros de Curitiba, em busca de dúzias de histórias e horizontes. Como dizia a fashionista Diana Vreeland: "O olhar precisa viajar”. Fique bem e até já.
🇬🇧 Welcome to newsletter #12. A dozen. Strange number, which exists because it is one of the simplest ways for humans to group loose items into a larger unit. Look at your hand and see that each of the four fingers is divided into three parts (phalanges). With your thumb, you count each of these parts until your hand is full. The dozen is born. I find the dozen much more charming than the tens, all logical and methodical, which must have been a Roman invention, with their X, V, C, L, etc.
I live a duel between the tens and the dozens. An astrologer friend says it is a clash between Capricorn – my birth sign – and Aquarius, my ascendant. I carry traces of both, often incompatible. In my mind, I wish I were an Aquarian dozen. That would translate into a house full of piled-up books, a cat on the couch, candles dripping paraffin on the tables and jazz playing on the radio. However, I open my eyes and see the Capricorn ten, with my T-shirts color-coded in the closet, books in alphabetical order and a compulsion to keep the couch perfectly lined with the rug.
I spend energy in house chores and in financial spreadsheets – numbers are very Capricorn – that when it comes to being creative I'm tired. I heard a Canadian author say that “you either have a tidy house or you write”. I deny myself the pleasure of writing by taking refuge in housekeeping. I tried to put the two together. I made a spreadsheet with only interesting words to use in texts, like funambule, ubiquitous and catharsis. I also opened a file with characters I create while washing the dishes. But neither the words nor the characters speak to each other. I can't put it all together into an interesting soup. They are more like ingredients in the pantry, with no expiration date.
One of the characters on the spreadsheet is my first boyfriend, a manipulative Arab I met in college. He caught my attention because he was always in a corner with a book in his hand. He read plays by Ionesco. I found it thought-provoking. One day we met at a pub and started drinking beer. When I went to the bathroom, he followed me. He gave me a scare and a kiss on the mouth. The next day he tried to commit suicide. When he came back from the hospital, I took on the role of nurse and psychologist to win him over. He made fun of my accent, and treated me condescendingly, a total dickhead. I was so in love I didn't even notice.
The hospital sent an invoice for 300 francs. He asked me to forge the receipt and, in a miracle of multiplication, with a touch of a typewriter, I created 3000 francs, which he asked his brother to wire. With the 2700 francs, we went to Lucerne for a weekend. We stayed in a 5-star hotel facing the lake because he wouldn't admit anything lower. He gave me a Hermès shirt. That shirt was shredded into several dozen pieces months later when I woke up to find I'd hooked up with a 1990s Tinder swindler. Instead of a financial hole, I fell into an emotional one.
That same character made me trade a one-year internship in the US for a six-month one just to prove that I liked him and would stick around. He also demanded attention, which I dispensed in daily letters, intercontinental trips every 40 days and a constant state of depression, after all, how could I possibly be happy away from him?
Looking back, I feel like a fool. But one can't live in retrospect. That's what I tell my heart, stricken to this day. I feel it when I start crying watching romantic movies, like "A Perfect Pairing". I also saw “Toscana” and “Devotion" to soothe my soul and illustrate to myself that loving is ok. These same feelings also arose while reading "This too shall pass", by Milena Busquets, "La Buena Suerte", by Rosa Montero and even “Le Jeune Homme”, by Annie Ernaux, although Ernaux had affair with a guy 30 years her junior so she could write about it.
Since this autofiction has morphed into cultural recommendations, I follow suit with: the series “Anatomy of a Scandal” and the Ezra Klein podcast with the poet Ada Limón. Another book is "Assembly", by Natasha Brown, the story of an Englishwoman who feels like a foreigner in her own country. "Borgen", the famous Danish series is also coming to Brazil very soon (June 2nd), so keep your Netflix subscription for another month. We'll talk again soon. I'll be tens of thousands of kilometers from Brazil, looking for a dozen new stories and horizons. As fashionista Diana Vreeland said: "the eye has to travel". Be well and see you soon.
I either never knew half of this story or My mind blocked it on purpose and I refuse to remember. Haha. He had his purpose in your life. I bet you learned important lessons and were able to maybe read People Better afterwards?
👏👏