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🇧🇷A bandeja do jantar foi recolhida. Antes que as luzes da cabine fossem apagadas, L pediu licença para os vizinhos de assento – o adolescente do meio e a senhora do corredor – e foi escovar os dentes. Só conseguia dormir depois de passar fio dental e sentir a língua queimar com a Colgate mint extra fresh branqueadora.
Sentar na janela tinha seus inconvenientes. L não bebia nada durante o voo para não ter vontade de fazer xixi. Sua única ida ao banheiro era essa. Por isso, depois da escovação, baixou a calça, fechou os olhos e imaginou uma cachoeira passando pelo seu corpo na tentativa de esvaziar a bexiga. Nada.
Voltou para a fileira 47. A cabine já estava no breu. Pediu novamente licença para os vizinhos, se enroscou no fio do fone da senhora e tropeçou no pé do adolescente antes de chegar na sua poltrona na janela. Janela de avião era tudo para L.
Ficou olhando a luzinha na ponta da asa piscar e algumas estrelas aqui e ali na imensidão do céu. De acordo com o mapa na telinha à sua frente, estavam sobrevoando Fortaleza no Ceará. Imaginou que lá em baixo havia pessoas caminhando pela praia, comendo caranguejo, vendo televisão ou esperando o elevador. Sentiu-se feliz em estar voando por cima de todos a 900 km/h rumo ao Oceano Atlântico.
Dormir para L era muito difícil quando havia tanta gente ao seu redor e o barulho ensurdecedor da turbina ali fora. Tinha medo de ter pesadelos e dar um grito ou que o adolescente ao lado se aproveitasse dela. Uma amiga comissária contou que era comum haver roubos durante o voo com tanta mala, sacola e bolsas dando sopa na escuridão. Todo o dinheiro de L estava dentro de uma pochete, dentro da camiseta, dentro do pulôver, colada à sua barriga.
Fico curioso em saber para onde L viajava. Estaria indo de férias para Madri ou mudando-se para Amsterdã? Quantos anos teria e porque não tentava cochilar enquanto assistia alguma comédia romântica? Não tem muita coisa para ver da janela de um avião que cruza o mar durante a noite. Por isso vou fazer algo com o avião para ver se descobrimos mais sobre ela nos próximos parágrafos.
Um pequeno solavanco tirou L do torpor em que se encontrava. O segundo solavanco foi um pouco mais forte. Em uma fração de segundos uma bola de fogo acendeu do lado de fora da janela. L arregalou os olhos pensando que pudesse ser a lua cheia nascendo no horizonte ou uma nuvem de tempestade. Mas não, era a turbina que estava em chamas.
Tenho dezenas de contos assim, com começo, mas sem meio nem fim. Um dia algum deles vinga e vai para frente. Neste outubro de 2022 tento pensar que um dia voltará a fazer sol em Curitiba. Torço para que a segunda-feira dia 31, Dia das Bruxas, não seja um pesadelo nacional. Porque Eleição não é Copa do Mundo, não tem times, nem precisa de quebradeira depois do jogo. Enquanto isso os contos seguem como mulas-sem-cabeça.
Se você que me lê estiver em Curitiba no sábado dia 22 de outubro, saiba que vai ter lançamento de livro na loja PopUp da Amora no Juvevê a partir das 16h (Moysés Marcondes 422). Nos prometeram jazz, cerveja e, quem sabe, alguns raios de sol. Estarei por lá. Senão nos vemos aqui outra vez em novembro. Combinado?
🇬🇧The dinner tray had been picked up. Before the cabin lights were turned off, L excused herself with her seat neighbors – a teenage boy in the middle and an old lady in the aisle – and went to brush her teeth. She could only sleep after flossing and feeling her tongue burn with Colgate Mint Extra Fresh Whitening Power.
Sitting by the window had its drawbacks. L didn't drink anything during the flight so she wouldn't need to pee. Her only trip to the toilet was this one. So, after brushing her teeth, she dropped her pants, closed her eyes and imagined a waterfall running through her body in an attempt to empty her bladder. Nothing happened.
She went back to row 47. The cabin was already pitch black. She excused herself again, got tangled up in the old lady's earphone cord and stepped on the teenage boy’s foot before reaching her window seat. A window seat was everything to L.
She stared at the little blinking light on the wing tip and at some stars here and there in the vastness of the night sky. According to the map on the small screen in front of her, they were flying over Fortaleza in Ceará, just leaving the Brazilian Northeastern shores. She imagined that down there people were walking along the beach, eating crab, watching television, or waiting for the elevator. She felt happy to be flying over them at 900 km/h heading for the Atlantic Ocean.
Sleeping for L was very difficult with so many people around her and with the deafening engine noise right outside her window. She was afraid she would have nightmares and scream or that the teenage boy would take advantage of her. A flight attendant friend said that robberies were quite common during flights with so many bags, backpacks and purses lying around in the dark. All of L's money was inside a fanny pack, inside her T-shirt, inside her pullover, glued to her belly.
I'm curious to know where L was traveling to. Was she going on vacation to Madrid or moving to Amsterdam? How old is she and why wouldn't she nap while watching some romantic comedy? There is nothing to see from an airplane window crossing the sea at night. Therefore I'm going to do something with the plane to see if we can find out more about her in the next few paragraphs.
A small jolt brought L out of her slumber. The second jolt was a little harder. In a split second, a fireball ignited outside the window. L's eyes widened, thinking it could be the full moon rising on the horizon or lightning. But no, it was the engine set on fire.
I have dozens of tales like this, with a beginning, but no middle or end. Hopefully, one of them will take root and move forward. In this October 2022, I try to believe that one day it will be sunny again in Curitiba. We’ve had day after day after day of cloudy skies and rain. I hope that Halloween, Monday the 31st, will not be a national nightmare. Elections should not be like the World Cup with winning teams and hooligans after the match. Meanwhile, my short stories remain like this, empty shells. See you again in November. Cheerio!
Muito bom!!!
Adorei Vicente 👏😙