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Imagine as cores vibrantes das obras de Gauguin que retratam a Polinésia Francesa. Vermelhos, alaranjados e marrons bem marcados. Os flamboyants em flor, os coqueiros de frutos amarelos e os recifes azulados. Agora imagine uma nuvem baixa, acinzentada, adentrando em frente ao quadro. Perdeu o encanto, né? Virou Matinhos.
Atravessei meio planeta para visitar ilhas que estão afundando. Países minúsculos no Oceano Pacífico com nomes exóticos como Tuvalu, Samoa e Nauru. Mas já em Auckland, na Nova Zelândia, me dei conta de que, se não curto nem sol, nem areia, nem o fundo do mar, o que faria? Optei por ilhas maiores, com pelo menos uma livraria, um restaurante e um museu ou centro cultural. Talvez algumas tartarugas e orquídeas. Para deixar a viagem mais sortida, escolhi uma ex-colônia britânica e uma (ainda) colônia francesa.
Para chegar até elas, fiz trânsito por outras ilhas: Cingapura, Austrália e Nova Zelândia, afinal, para vir até aqui, tem que valer a pena. Melbourne, Sydney e Auckland é prazer garantido.
FIJI 🇫🇯
Visitar ex-colônias britânicas é fulminar de uma vez por todas o discurso retrô de alguns brasileiros que culpam Portugal pela nossa confusão e pobreza. Fiji, índia, Nigéria e Barbados foram parte do Império Britânico e são pobres, pobres, pobres de marré desci. Fiji é famosinha porque exporta água mineral. Todo o carbono gerado na extração, embalo e transporte das garrafinhas para os WholeFoods nos EUA contribuem para que a ilha esteja ameaçada pelas mudanças climáticas. É o ciclo da água do Antropoceno.
Fiquei duas noites em um hotel perto da vila de Nadi para visitar os templos e ver qualé (vou aos correios, tiro foto com a bandeira, entro no supermercado). Tem lixo pelas ruas, poças d’água gigantescas, vegetação luxuriante quase opressora, lojas de quinquilharia, igrejas metodistas, templos hindus, mercadinhos chineses. Vi o que tinha para ver e parti para duas noites em um resort na ilha Denarau, uma espécie de Sauípe fijinês. Basta cruzar uma ponte que Fiji fica para trás. As ruas são imaculadas, as árvores espaçadas, um trenzinho leva os turistas do campo de golfe ao porto, do porto aos resorts. Ninguém anda a pé de medo de derreter ou de ser picado por uma cobra, que só pica do lado de fora de Denarau, of course.
Bula é como os locais se cumprimentam. Vale por oi, bom dia, tudo bem, boa noite, quero fazer checkin, mesa para um. Então é bula bula do nascer ao por do sol. Não estou te ajudando a apaixonar-se por Fiji, né? Mas vale dizer que as pessoas ali são as mais simpáticas e queridas que conheci em ilhas mundo afora. A população é uma mistura de povos polinésios e indianos trazidos pelos ingleses para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar. Mistura que vez ou outra causa um golpe de estado ou chacina, mas nunca em Denarau, só em Fiji.
Pena que os quatro dias foram temperados por nuvens cinzas. Tirou as cores vibrantes à la Gauguin para deixar tudo com vários tons de cinza e umidade sufocante. Para finalizar a experiência exótica, o taxista que prometeu me levar de volta ao aeroporto por 35 dólares fijineses não apareceu na hora marcada do lado de fora do resort (porque dentro do resort só táxis oficiais e bem mais caros podem trabalhar). O pão duro aqui começou a suar com medo de perder o voo. Sem celular nem wifi, por sorte um jardineiro viu minha cara de pânico, minha camiseta encharcada e me ajudou com pouco inglês a convencer um senhor que passeava de carro com a esposa a me levar para o aeroporto. Eita gente simpática em Fiji!
NOVA CALEDÔNIA 🇳🇨
Em 1h45 de voo de Fiji cheguei na França. A Nova Caledônia é um domínio ultramarinho francês e as várias bandeiras tricolores não deixam dúvidas. Aqui não se usa o euro e sim o franco-pacífico, como no Tahiti. Há um governo local com certa autonomia (tem até bandeira) e uma diferença abissal entre os caldoches (brancos) e os kanaks (indígenas) que gera atritos constantes. A ilha poderia ser considerada o faroeste francês, já que há enormes fazendas de gado e lutas por posse da terra. Colonização é uma m., não é mesmo? Não importa se é belga, italiano, sueco ou americano. Pergunte ao finlandês se ele quer voltar a ser colônia sueca, ou se o islandês quer se unir novamente à Dinamarca. Ocupar um lugar que já tem gente só pode dar confusão (e guerra).
Antes que essa carta vire um artigo de revista do Che Guevara, confesso que também chove bastante nos meus dias aqui em Nouméa, a capital da ilha. Deixei para planejar uma visita às ilhas da Loyauté (Ouvéa, Lifou, des Pins) quando estivesse em solo local pois no fundo desconfiava que poderia não fazer dias tão ensolarados. Sem sol, o mar não é azul nem na Polinésia, nem em Camboriú. Mas curto viver os dias à francesa. De manhã compro croissant fresco na boulangerie, tem congelados da Picard, bonjours por todos os lados.
Visitei o Centro Cultural Tjibaou, obra de Renzo Piano com ótimas exposições sobre a cultura kanak. Como todos os povos originários, há um profundo respeito pela natureza e conhecimento das árvores e plantas. Ao invés da mandioca, sauda-se ao inhame. Há um esforço em trazer de volta à ilha arte que foi levada para os museus europeus. Nas livrarias há sempre uma seção de autores locais e da Oceania, coisa que adoro descobrir.
Tem uma praia linda na frente do hotel, mas uma placa enorme avisa que há risco de tubarões. Aluguei um carro para explorar os florestas e praias mais distantes, só que cada vez que vejo algo boiando na água, penso que é um tubarão. Por causa da chuva, procurei cinema, mas os filmes são dublados em francês. Consegui entrada para um espetáculo em homenagem à Edith Piaf. Danças kanaks só depois de março. C’est tout.
À DERIVA
Daqui eu pulo para outra ilha, mas não mais no Pacífico. Timor-Leste, um dos países mais novos do mundo, ex-colônia portuguesa, fica entre as milhares de ilhas da Indonésia no Sudeste Asiático. Vou para saber se vão entender o meu português ou se compreenderei o tétum, idioma local, um créole de base portuguesa e malaia. Tipo assim: João maka gosta serveja. De lá volto para casa via Bali, outra ilha nesta viagem arquipelágica. O bom é que já tenho tema para a carta do mês que vem: minhas férias no Timor-Leste. Até lá, au revoir.
ps: inventei por mim mesmo o fijinês, que pode ser que seja fijiano, fijiota, fijinense, etc.
🇬🇧 Think of the vibrant colors of Gauguin's works depicting French Polynesia. Well-marked reds, oranges and browns. Flamboyants in bloom, coconut trees with yellow fruits and bluish reefs. Now imagine a low, greyish cloud taking over the painting. It takes the beauty away, doesn’t it? It turns everything into Brighton.
I crossed half the planet to visit sinking islands. Tiny countries in the Pacific Ocean with exotic names like Tuvalu, Samoa and Nauru. But already in Auckland, New Zealand, I realized that if I don't like the sun, the sand or the bottom of the sea, what would I do? I opted for larger islands, with at least one bookstore, a restaurant and a museum or cultural center. Maybe some turtles and orchids. To make the trip more varied, I chose a former British colony and a (still) French colony.
To get to them, I transited through other islands: Singapore, Australia and New Zealand, after all, to come all the way here, it has to be worth it. Melbourne, Sydney and Auckland are guaranteed pleasure.
FIJI 🇫🇯
Visiting former British colonies fulminates once and for all the retro speech of some Brazilians who blame Portugal for our confusion and poverty. Fiji, India, Nigeria and Barbados were part of the British Empire and are poor to the core. Fiji is famous because it exports mineral water. All the carbon generated in the extraction, packaging and transport of bottles to Whole Foods in the USA contributes to the island being threatened by climate change. It's the Anthropocene water cycle.
I stayed two nights in a hotel near the village of Nadi to visit the temples and check the area out (I go to the post office, take a photo with the flag, go into the supermarket). There is rubbish in the streets, gigantic puddles of water, lush vegetation that is almost overwhelming, trinket shops, Methodist churches, Hindu temples, Chinese markets. I saw what there was to see and left for two nights at a resort on Denarau Island, a kind of Fijian Riviera. Just cross a bridge and Fiji is left behind. The streets are immaculate, the trees are spaced out, a little train takes tourists from the golf course to the port, from the port to the resorts. No one walks for fear of melting or being bitten by a snake, which only bites outside Denarau, of course.
Bula is how locals greet each other. Hi, good morning, how are you, good evening, I want to check in, table for one. So it's bula bula from sunrise to sunset. I'm not helping you fall in love with Fiji, am I? But it's worth saying that the people there are the friendliest and sweetest I've met on islands around the world. The population is a mix of Polynesian peoples and Indians brought by the English to work on the sugar cane plantations. A mixture that occasionally causes a coup d'état or massacre, but never in Denarau, only in Fiji.
Too bad the four days were tempered by the gray clouds removing the vibrant colors à la Gauguin to leave everything with various shades of gray and suffocating humidity. To top off the exotic experience, the taxi driver who promised to take me back to the airport for 35 Fijian dollars didn't show up at the scheduled time outside the resort (because only official and much more expensive taxis can work inside the resort). The stingy guy here started to sweat for fear of missing his flight. With no cell phone or wifi, luckily a gardener saw my panicked face, my soaked t-shirt and helped me with little English to convince a man who was driving with his wife to take me to the airport. I thank the nice people of Fiji!
NEW CALEDONIA 🇳🇨
In a 1h45 flight from Fiji I arrived in France. New Caledonia is a French overseas domain and the various tricolor flags leave no doubt. Here the euro is not used, but rather the Pacific franc, as in Tahiti. There is a local government with a certain degree of autonomy (and even its own flag) and an abysmal difference between the Caldoches (whites) and the Kanaks (indigenous) that generates constant friction. The island could be considered the French Wild West, as there are huge cattle ranches and fights over land ownership. Colonization is a bitch, isn't it? It doesn't matter if you are Belgian, Italian, Swedish or American. Ask a Finn if he wants to return to being a Swedish colony, or if the Icelander wants to join Denmark again. Occupying a place that already has people can only cause confusion (and war).
Before this letter turns into a magazine article by Che Guevara, I confess that it also rained a lot during my days here in Nouméa, the island's capital. I decided it to plan a visit to the Loyauté islands (Ouvéa, Lifou, des Pins) only when I was on local soil because deep down I suspected that the days might not be as sunny. Without the sun, the sea is not blue neither in Polynesia nor in Antibes. But I like living my days a la française. In the morning I buy fresh croissants at the boulangerie, there are frozen products from Picard and bonjours everywhere.
I visited the Tjibaou Cultural Center, done by Renzo Piano with great exhibitions on Kanak culture. Like all indigenous peoples, there is a deep respect for nature and knowledge of trees and plants. There is an effort to bring back to the island art that was taken away to European museums. In bookstores there is always a section of local and Oceanian authors, which is something I love discovering.
There is a beautiful beach in front of the hotel, but a huge sign warns of shark risk. I rented a car to explore the more distant forests and beaches, but every time I see something floating on the water, I think it's a shark. Because of the rain, I looked for a cinema, but the films are dubbed in French. I got entry to a show in honor of Edith Piaf. Kanak dances only after March. C’est tout.
STILL DRIFTING
From here I jump to another island, but no longer in the Pacific. Timor-Leste, one of the youngest countries in the world, a former Portuguese colony, is among the thousands of Indonesian islands in Southeast Asia. I'm going to find out if they understand my Portuguese or if I will understand Tetum, the local language, a Creole based on Portuguese and Malay. From there I fly home via Bali, another island on this archipelagic trip. The good thing is that I already have a theme for next month's letter: my vacation in Timor-Leste. Until then, au revoir.
Super interessante esta carta!
Adoro conhecer o mundo com suas viagens! Bj
Vicente, adorando ler as notícias da viagem. Como um postal que esperamos receber de amigos viajantes.
Bons ventos nas experiências e boas surpresas!