For English, please scroll down to 🇬🇧. Thanks!
Durante doze dias, vivi no estômago de uma baleia que atravessou o Atlântico Norte, do Canadá à Islândia. Foram cinco mil quilômetros saltando como salmões enlouquecidos por ondas de até sete metros, desviando de baías congeladas e sentindo muito frio para conhecer a maior ilha do planeta: a Groenlândia.
O entusiasmo inicial logo deu lugar a uma mistura de emoções: angústia (muitos dias de navegação sem terra à vista), euforia (ao ver o primeiro iceberg e finalmente pisar em solo groenlandês), tédio (quando acabaram os livros), enjoo (48 horas de mar revolto) e alegria. Frequentemente, me sentia dentro de um copo de uísque "on the rocks". O programa foi alterado inúmeras vezes conforme as previsões meteorológicas. Constantemente, éramos lembrados de que aquela viagem não era um cruzeiro, mas uma expedição.
Quase esquecida e deformada no topo do mapa-múndi, a Groenlândia é um território autônomo do Reino da Dinamarca. Gigante pela própria natureza, tem apenas 56 mil habitantes e gelo para dar e vender (se não derreter tudo). Imagino que poderia convidar todos os inuits para um domingo de verão na praia de Ipanema sem ninguém notar. Aliás, não se fala mais "esquimó" e sim "inuit" para os povos do norte que vivem no cucuruto do planeta, agarrando-se ao gelo cada vez mais fino e frágil.
Um cruzeiro é a melhor forma de visitar. A única estrada tem apenas 5 km, pois o litoral é recortado por fiordes e baías. Mesmo quem chega de avião de Copenhague ou Reykjavík precisa embarcar em ferries para chegar aos minúsculos centros urbanos. A capital, Nuuk, tem só 20 mil pessoas. Não há muitos hotéis, restaurantes, shoppings ou parques de diversão. Na alta temporada (julho e agosto), as poucas opções lotam rapidamente. Se Trump comprar a ilha, talvez tudo mude. Até lá, rezamos para isso não acontecer.
Mais ameaçador do que Trump é o aquecimento global. Na Groenlândia, ninguém é negacionista, pois vivem as consequências ao vivo e a cores. No verão, faz cada vez mais calor, e espécies invasivas dizimam a vegetação local. No inverno, o gelo não é tão firme quanto antes. Caçadores caem em fendas que se abrem facilmente, os ursos polares ficam ilhados em pedaços de gelo que se desprendem, e não é possível transportar cargas por cima do gelo para lugares antes acessíveis. Com menos gelo, navios transformaram o mar entre a Groenlândia e o Canadá numa via rápida entre o Alasca e a Europa, entre Xangai e Roterdã. Sumiram as baleias e os narvais. Tudo isso é bem explicado no documentário "Last Ice".
Visitei apenas um pedacinho do sudeste do país. Narsarsuaq foi a primeira parada, para uma caminhada na montanha até perto de uma geleira. Fiquei impressionado com tantos arbustos e passarinhos (menos impressionado com a quantidade de mosquitos). De um lado da baía, apenas uma pista de pouso (uma antiga base militar americana). Do outro, um vilarejo com uma fazenda de carneiros, um café, um sítio arqueológico e uma bomba de gasolina. Tudo bem lindinho e altamente instagramável. Lembrei muito das histórias que li antes da viagem, nos diários do explorador local Knud Rasmussen.
A segunda parada foi a cidade de Qaqortoq, com três mil habitantes. É o centro gravitacional do sul da ilha. Nuuk fica muito longe. Foi a maior cidade de toda a viagem fora Halifax no Canadá, onde embarquei. Todo o fuzuê e tormenta da viagem para ver um bocado de gente apinhada num morro, curtindo peles de foca, um centro histórico, uma agência dos correios e alguns supermercados com comidas dinamarquesas. Sentei-me numa pedra no alto, com vista panorâmica, fechei os olhos e curti o momento. Provavelmente, não voltarei mais para lá. Naveguei, cheguei, vi, curti e já era hora de seguir viagem. Mais mar. Mais sacolejo.
Seguimos direto para a Islândia. As outras duas paradas estavam bloqueadas por uma barreira de gelo intransponível. Foi incrível navegar por horas desviando de icebergs e se chocando com enormes pedaços de gelo. Cada vez que o navio se chocava, tremíamos todos. O primeiro impacto foi na hora do jantar. Mal serviram a entrada, e o restaurante inclinou uns 10 graus. Copos e pratos caíram, e todos correram para as janelas, hipnotizados pela brancura da paisagem. Todos torcendo para encontrar um urso-polar. Só vimos duas focas. A viagem toda aconteceu sob plena luz do dia. O pôr do sol emendava com o nascer do sol entre 23h55 e 01h15.
Antes de chegar a Reykjavík, visitamos Patreksfjörður e uma falésia cheia de pássaros, o ponto mais ocidental da Europa. Fiquei impressionado com as praias de areia branca. O guia explicou que a areia vem com as correntes marinhas do Caribe. Pena que a água é congelante. Na falésia, vimos gaivotas, maçaricos, albatrozes e os famosos papagaios-do-mar (puffins). Nenhum pinguim, claro, pois só vivem nos mares do sul. Muito vento, muitas penas, cascas de ovos e cheiro de cocô.
Finalmente, atracamos em Reykjavík, a capital da Islândia. Chorei de emoção ao ver novamente uma cidade com multidões, cafés, livrarias, música, opções, variedade. Acima de tudo, terra firme. Fiquei impressionado com o nível de cosmopolitismo da cidade, considerando que toda a Islândia tem 370 mil habitantes. Jantei em dois restaurantes incríveis, o Sumac e o Brút.
Descobri uma perfumaria très chic, a Fischersund, e saí com uma sacolinha. Perfume de algas e cinzas vulcânicas para quando eu quiser atrair um viking. Fui até o cinema cult da cidade assistir a uma adaptação de um romance do escritor islandês Ólafur Jóhann Ólafsson. Comprei livros de autoras locais, como Auður Jónsdóttir e Auður Ava Ólafsdóttir. Isso sem contar as várias exposições de arte islandesa multicolorida e as luzes do Ólafur Elíasson. Ainda bem que já visitei a Groenlândia. Da próxima vez, vou direto para Reykjavík.
P.s.: Sugiro a quarta temporada da série dinamarquesa "Borgen", disponível na Netflix, para saber mais sobre a relação Groenlândia-Dinamarca e a pressão do governo local pela China e pelos EUA.
P.P.s.: O cruzeiro completo foi Halifax, Saint John’s e Saint Anthony’s no Canadá, Qassiarsuk, Narsarsuaq e Qaqortoq na Groelândia, Patreksfjörður e Reykjavík na Islândia. Navio SH Diana da Swan Hellenic. Voei para Oslo no caminho de volta e me apaixonei pela cidade que ainda não conhecia. Agora estou estudando norueguês para me mudar para lá um dia. Vou usar o perfume de algas e cinzas kkkk.
P.P.P.s.: Estive há anos nas Ilhas Faroe, também parte do Reino da Dinamarca, e escrevi sobre a viagem aqui.
Last but not least: usei o ChatGPT para me ajudar a revisar o texto, a deixá-lo mais fluido e depois a traduzi-lo. #medo
🇬🇧 For twelve days, I lived in the belly of a whale that crossed the North Atlantic from Canada to Iceland. We swam five thousand kilometers jumping like salmon, maddened by waves up to seven meters high, dodging frozen bays and almost always freezing cold to get to know the largest island on the planet: Greenland.
The initial enthusiasm in Halifax soon gave way to a mix of emotions: anguish (many days of sailing without any land in sight), euphoria (seeing the first iceberg and finally setting foot on Greenland), boredom (when the books ran out), seasickness (48 hours of rough seas), and joy. I often felt like I was inside a cocktail mixer. The program was changed numerous times according to weather forecasts. We were constantly reminded that this trip was not a cruise but an expedition.
Almost forgotten and completely deformed at the top of the world map, Greenland is an autonomous territory of the Kingdom of Denmark. Giant in nature, it has only 56,000 inhabitants and loads of ice (at least for now). I imagine I could invite all the Inuits to spend a summer Sunday in Ipanema beach without anyone noticing. By the way, we no longer say "Eskimo" but "Inuit" for the northern peoples living at the top of the planet, clinging to ice that is getting thinner and more fragile.
A cruise is the best way to visit the island. The only road is just 5 km long, as the coastline is all cut by fjords and bays. Even those arriving by plane from Copenhagen or Reykjavík need to board ferries to reach the tiny urban centers. The capital, Nuuk, has just 20,000 people. There aren't many hotels, restaurants, shops, or amusement parks. In high season (July and August), the few options fill up quickly. If Trump buys the island, maybe everything will change. Until then, we pray that it doesn't happen.
More threatening than Trump is global warming. In Greenland, no one is a climate change denier, as they live with the consequences in real-time. In summer, it gets increasingly hotter, and invasive species decimate the local vegetation. In winter, the ice is not as firm as it used to be. Hunters fall into cracks that easily open up, polar bears get stranded on pieces of ice that break off, and it is no longer possible to transport loads over the ice to places that were once accessible. With less ice, ships have now turned the sea between Greenland and Canada into a quick route between Alaska and Europe, between Shanghai and Rotterdam. Whales and narwhals have disappeared. This is well explained in the documentary "Last Ice".
I visited only a small portion of Greenland, the southeast of the country. Narsarsuaq was the first stop, for a hike up the mountain to a nearby glacier. I was impressed to see so many shrubs and birds (less impressed by the number of mosquitoes). On one side of the bay, there was only a runway (an American military base). On the other, a village with a sheep farm, a café, an archaeological site, and a gas station. Everything was very cute and highly Instagrammable. I remembered the stories I read before the trip in the diaries of local explorer Knud Rasmussen.
The second stop was the city of Qaqortoq, with 3,000 inhabitants. It is the gravitational center of the entire south of the island, as Nuuk is very far away. It was the largest city of the whole trip outside Halifax, where I boarded. All the fuss and turmoil of the trip to see a bunch of people crowded on a hill, a seal skin factory, a historic center, a post office, and some supermarkets with Danish food. I sat on a rock at the top, with a panoramic view, closed my eyes, and enjoyed the moment. After all, I probably won't return. I sailed, arrived, saw, enjoyed, and it was time to move on. More sea. More rocking.
We headed straight for Iceland. The other two Greenlandic stops were blocked by an impenetrable ice barrier. It was incredible to navigate for hours, dodging icebergs and crashing into huge pieces of ice. Every time the ship hit one, we all trembled. The first impact was at dinner. They had just served the appetizer, and the restaurant tilted about 10 degrees. Glasses and plates fell, and we all ran to the windows, hypnotized by the whiteness of the landscape. Everyone was hoping to see a polar bear. We only saw two seals. By the way, the whole trip took place in full daylight. The sunset blended into the sunrise between 11:55 PM and 1:15 AM.
Before reaching Reykjavík, we visited Patreksfjörður and a bird-filled cliff, the westernmost point of Europe. I was impressed by the white sandy beaches. The guide explained that the sand is brought over by ocean currents from the Caribbean. Too bad the water is freezing. On the cliff, we saw seagulls, sandpipers, albatrosses, and the famous puffins. No penguins, of course, as they only live in the southern seas. Lots of wind, lots of feathers, eggshells, and the smell of bird shit.
Finally, we docked in Reykjavík, Iceland's capital. I cried with emotion upon seeing a city full of people, cafés, bookstores, music, options, variety. Above all, solid ground. I was very impressed by the city's cosmopolitan feel, considering that all of Iceland has 370,000 inhabitants. I dined at two amazing restaurants, Sumac and Brút.
I discovered a très chic perfumery, Fischersund, and left with a little bag. Algae and volcanic ash perfume for when I want to attract a Viking. I even went to the city's cult cinema to watch an adaptation of a novel by Icelandic writer Ólafur Jóhann Ólafsson. I bought books by local authors, such as Auður Jónsdóttir and Auður Ava Ólafsdóttir. Not to mention the various exhibitions of multicolored Icelandic art and the lights of Ólafur Elíasson. I'm glad I already visited Greenland. Next time, I'll go straight to Reykjavík.
P.S.: I suggest the fourth season of the Danish series “Borgen", available on Netflix, to learn more about the Greenland-Denmark relationship and the pressure on the local government from China and the USA.
P.P.S.: The full cruise itinerary was Halifax, Saint John’s, and Saint Anthony’s in Canada, Qassiarsuk, Narsarsuaq, and Qaqortoq in Greenland, Patreksfjörður, and Reykjavík in Iceland. Ship: SH Diana from Swan Hellenic. On the way back, I flew to Oslo and fell in love with the city, which I hadn't known before. Now I'm studying Norwegian to move there one day. I'll use the algae and ash perfume, haha.
Last but not least: I used ChatGPT to help me revise the text, make it more fluid, and then translate it. #scary
Gostei de viajar com você, Vince!